Memória, resistência e fabulação: uma análise da Ceilândia de Adirley Queirós.
Abstract
O presente trabalho se propõe a uma análise da obra do cineasta Adirley Queirós, com
especial ênfase para Branco Sai, Preto Fica (Adirley Queirós, 2014). Seus filmes,
realizados na Ceilândia – esta a primeira e maior cidade-satélite no entorno de Brasília
– põe em primeiro plano as experiências de grupos da locais. Recorremos à Caravana
Farkas – conjunto de documentários brasileiros da década de 1960 – e ao fenômeno
mais recente da “cosmética da fome” conforme Ivana Bentes (2007) a fim de
compreender por diferenciação a especificidade do olhar propiciado pela obra de
Queirós acerca dos grupos populares e periféricos dentre o cinema brasileiro. A
Ceilândia, representada como “população negra e marginalizada” – parafraseando a
personagem de Gleide Firmino em Branco Sai, Preto Fica –, é constituída
narrativamente em uma relação de diferença a uma norma, Brasília. O nosso objetivo é,
a partir de uma perspectiva sociológica pós-colonial e interseccional, compreender
como são articuladas as diferenças nesse cinema, considerando as dimensões de raça,
classe, localidade, dentre outras salientadas pelas narrativas. Em Branco Sai, Preto
Fica, o ponto de partida documental é uma denúncia de violência policial em um baile
de música negra na Ceilândia na década de 1980. Os sujeitos denunciantes, deficientes
físicos em decorrência da ação da polícia na ocasião, têm suas vivências atreladas
também à segregação social e racial que marcam a história da cidade-satélite. De
maneira a borrar as fronteiras entre os regimes de “ficção” e “documentário” e superar
uma circunstância existencial subalterna (GRAMSCI, 1977; GÓES, 2016) em que
poderiam ser enquadrados, encarnam personagens em um universo de ficçãocientífica,
explodindo na cena final a cidade de Brasília através de uma bomba com
sons, músicas e vozes da periferia. Os letreiros que encerram o longa-metragem – “da
nossa memória fabulamos nóis mesmos” – enfatizam as formas de subjetivação e
agência dos sujeitos representados, convidando-nos, na análise, a atentar para como
articulam e vivenciam as intersecções entre diferenças e desigualdades.
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