Fatos e valores: um estudo sobre a dicotomia fato/valor e o problema da objetividade da ética em Hilary Putnam.
Resumen
Um dos maiores e mais engenhosos obstáculos à pretensão de objetividade na
ética é a ideia do que hoje conhecemos como dicotomia fato/valor. Embora seja
amplamente aceito que sua origem remeta a Hume, seu desenvolvimento tornou-se
significativamente mais denso nas teses dos positivistas lógicos. Esses pensadores
promoveram de modo bastante sofisticado a ideia de que aquelas noções valorativas
próprias da ética normativa não corresponderiam a quaisquer “fatos” e, portanto, não
poderiam de modo algum ser objeto de correção objetiva. Sendo assim, parece claro
que qualquer pretensão de objetividade na ética precisa lidar adequadamente com
esse problema. No presente trabalho, procuramos oferecer um estudo acerca da
posição de um conhecido defensor da objetividade dos juízos morais e crítico da
dicotomia fato/valor, Hilary Putnam. A tese geral que constitui o objeto do presente
trabalho é aquela sustentada por Putnam de que o raciocínio de tipo normativo sempre
esteve presente nas próprias bases de toda a atividade racional. Segundo Putnam, a
dicotomia fato/valor simplesmente “corrompeu” nosso pensamento sobre questões
éticas e sobre a descrição do mundo, de modo que se faz necessário mostrar, a fim
de remover esse obstáculo ao caráter objetivo da ética, como tal dicotomia constitui
um erro sustentado por uma concepção limitada de linguagem e racionalidade
influenciada pelas teses dos positivistas lógicos. A estratégia de exposição aqui
adotada consiste na análise dos principais tópicos que compõem o ataque de Putnam
à dicotomia fato/valor que, segundo entendemos, converte-se também em uma
argumentação coerente com a defesa da possibilidade de validade objetiva da ética.
Nossa estratégia está divida em três partes: Na primeira procuramos caracterizar o
modo como Putnam parece compreender o problema da dicotomia fato/valor
enquanto algo dependente de uma outra distinção filosófica, a saber, a separação
entre juízos analíticos e juízos sintéticos. A partir dessa caracterização, buscamos
analisar a tese sustentada por Putnam de que os positivistas lógicos teriam elevado a
distinção analítico/sintético à condição de uma dicotomia onipresente, gerando assim
uma versão da dicotomia fato/valor que expulsa as questões da ética do domínio da
discussão racional. Na segunda parte, tratamos da tese positiva de Putnam quanto à
questão fato/valor: a ideia de que há na prática um fenômeno de “entrelaçamento de
fatos e valores”. Começamos por apresentar uma breve reconstrução da crítica de
Quine à distinção analítico/sintético relacionando com a argumentação de Putnam de
que tal crítica remove os fundamentos da própria dicotomia fato/valor abrindo caminho
para que esta seja desqualificada de modo similar. Passamos então à análise da
posição de Putnam quanto aos chamados “conceitos éticos espessos”, onde o autor
vê a expressão da tese do entrelaçamento fato/valor, de modo que tais conceitos
constituem contraexemplos à própria dicotomia fato/valor. Ainda na segunda parte
tecemos algumas considerações quanto à noção de “valor” em Putnam, enfatizando
o modo como tal noção não se limita apenas à ética, mas desempenha o papel de
pressuposto em qualquer atividade racional, incluindo a própria ciência. Na última
parte procuramos examinar qual seria a contribuição positiva de Putnam para a ética.
Argumentamos aqui que apesar de não possuir algo que se possa chamar a rigor de
uma teoria moral, Putnam propõe uma concepção moral profundamente influenciada
pela tradição do pragmatismo americano, sobretudo por Dewey. Buscando, em
conexão coerente com a proposta de superação da dicotomia fato/valor, apresentar
uma noção de objetividade peculiar (algo que envolve aquilo que ele chama de
objetividade sem objetos), que se pretende como algo que evita os extremos do
relativismo e do realismo metafísico.
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