Memórias do combate à Coluna Paulista no oeste paranaense: a escrita de si nas pajadas de um soldado (1924-1925)
Resumo
Esse estudo trata das memórias de umsoldado legalista que participou do
combate à Coluna Paulista no oeste paranaense entre 1924 e 1925. Suas
experiências militares são narradas em forma de pajadas, versos típicos da
cultura gaúcha que comumente apresentam-se oralmente. Os versos escritos
aparecem no Caderno de Anotações de outro soldado raso: Ernesto Baptista
Tecchio. Este não nomeia, em nenhum momento, o pajador, criando dúvidas
sobre sua intenção em forjar ou não a autoria dos versos. Ernesto serviu ao
Exército em Cruz Alta, Rio Grande doSul, enquanto o soldado pajador partiu
para o combate saindo de Alegrete nessemesmo estado. Emalgum momento
suas trajetórias se cruzaram e Ernestoteve acesso às pajadas. Considerando
as relações estabelecidas entre as memórias do pajador e de Ernesto, que foi
guardião e interlocutor dessa memória, esse estudo analisa asescritas de si
contidas nas fontes. De maneiras distintas, esses indivíduos conservam suas
opiniões através de narrativas. Utilizando-se teoricamente de autores que
discutem aspectos memorialísticos e a escrita de si, esse trabalho considera as
intencionalidades do pajadorem produzir a narrativa na forma de versos que
expressam características de sua cultura regional. Leva em conta também que
Ernesto era filho de imigrantes italianos, e apesar de falar essa língua em seu
cotidiano, foi alfabetizado em portuguêse se apropriou dos versos do soldado
gaúcho, o que parece demonstrar a fluidez de identidades entre os soldados.
Com esse estudo, pretende-se ampliar asinterpretações sobre as Revoltas
Tenentistas a partir da análise das pajadas, que constituem o olhar de um
soldado raso sobre os enfrentamentos. Os documentos pessoais a que se teve
acesso são analisados relacionando-os à outras fontes, como por exemplo as
memórias do tenente revoltoso João Cabanas. Quanto às perspectivas teórico-metodológicas, destaca-se o diálogo dahistória cultural recente com a
metodologia micro-histórica, bem como as discussões acerca dos conceitos de
memória e representação. A historiografia sobre Revoltas Tenentistas auxilia
na compreensão das críticas do soldado pajador que, mesmo sendo legalista,
questiona a hierarquia militar e as condições em que se encontravam os
soldados rasos. Ernesto, por sua vez,pode ter se interessado pelas pajadas
devido ao gosto pela leitura e, na condição de soldado raso, possivelmente se
identificou com as críticas à hierarquia militar