O construtivismo político rawlseano: da possibilidade de uma justificação política normativa não-fundacionalista
Abstract
As sociedades democráticas contemporâneas são profundamente marcadas pela
diversidade de doutrinas éticas, filosóficas e religiosas, de modo que os princípios
que regem a estrutura básica da sociedade precisam ser estabelecidos para que
este pluralismo seja respeitado. Nesse ínterim, John Rawls apresenta sua teoria da
justiça como equidade, a qual propõe um construtivismo político que visa a
construção e a justificação dos princípios de Igual Liberdade e Igualdade Equitativa
de Oportunidade/Diferença. Assim, tais princípios não são apresentados como
sendo os mais adequados - para a estrutura básica social - em vista de remeterem a
uma ordem normativa anterior às concepções de pessoa e sociedade, mas, sim, por
expressarem valores políticos compartilhados que constituem fatos morais, os quais,
por sua vez, não necessitam ser epistemologicamente comprovados a fim de
poderem ser utilizados como pontos de ancoramento para os princípios mais gerais.
Surge, desta forma, o conceito de razoável (reasonable) como sendo contraposto ao
conceito de verdadeiro (true), uma vez que a ideia de razoabilidade remete a uma
concepção de justificação que não apela para uma autoridade fundacional de cunho
autônomo ou heterônomo. Logo, esta ideia vem a substituir a de verdade, a qual
acarreta, inevitavelmente, uma noção de justificação absoluta e fundacionalista,
justificação esta que, conforme Rawls, não é adequada para uma teoria da justiça
que se pretenda tolerante e autossustentada (freestanding). Desta maneira, a fim de
expormos didaticamente este construtivismo, precisamos analisar os três
procedimentos que o compõem, a saber, a posição original (original position), o
equilíbrio reflexivo (reflective equilibrium) e o consenso sobreposto (overlapping
consensus). Constatou-se que esses procedimentos operam em estreita sintonia, de
modo que propiciam uma concepção de objetividade normativa para os princípios
políticos de justiça - que pode, perfeitamente, prescindir das noções de verdade e de
fundamentação absoluta