Comida, memória e patrimônio cultural: a construção da pomeraneidade no extremo sul do Brasil.
Resumo
No campo das políticas públicas de patrimonialização no Brasil, pode ser
identificada, desde a década de 1990, a emergência de novos sujeitos de direito.
Grupos sociais historicamente marginalizados têm se apropriado da categoria
patrimônio, colocando seus saberes, fazeres, tradições e manifestações culturais
como meio para obter conquistas sociais. Nesse quadro, tomando a observação da
alimentação como abordagem, procura-se, neste trabalho, analisar de que forma
ações de cunho patrimonial desenvolvidas no município gaúcho de São Lourenço do
Sul têm sido apreendidas por atores sociais envolvidos em processos que buscam o
reconhecimento e valorização da cultura e identidade de camponeses de origem
pomerana. Os pomeranos, apesar de presentes na Serra dos Tapes desde meados
do século XIX, durante muito tempo permaneceram à margem da sociedade local.
Mas, a partir dos anos 2000, o poder público municipal de São Lourenço do Sul
passou a estabelecer políticas associadas à valorização do passado, da memória e
do patrimônio cultural das famílias rurais de origem pomerana. Ao analisar algumas
das ações de valorização do patrimônio cultural pomerano, este estudo destaca a
rota turística rural Caminho Pomerano e a Südoktoberfest, maior festa germânica do
sul do estado. Procura-se mostrar que as políticas locais de patrimonialização estão
baseadas, em boa medida, na tentativa de recuperar formas tradicionais do “ser
pomerano”, em que o modo de vida desses camponeses torna-se atrativo turístico,
ao mesmo tempo em que saberes e práticas associadas a sua cultura alimentar são
agenciados pelo turismo e manipulados pelo mercado como forma de promoção de
uma espécie de turismo cultural, pautado pelo clima de nostalgia. No campo de
produção da memória pomerana, observam-se ações e discursos que procuram
afirmar a autenticidade das manifestações culturais, na medida em que as tradições
e identidade pomeranas são comumente apresentadas como elementos invariáveis.
O estudo mostra, ainda, que boa parte das ações e políticas de valorização do
patrimônio cultural pomerano não encontra correspondência no modo de vida das
comunidades rurais pomeranas contemporâneas, na medida em que estão
baseadas em uma visão preservacionista do passado. A análise de festas locais de
uma comunidade rural pomerana permite evidenciar que os modos como os colonos
pomeranos vivem, celebram e comem se realizam em diálogo constante entre
passado e presente, preservação e inovação, mundo rural e urbano, tradição e
modernidade. Assim, o trabalho aponta que conhecimentos tradicionais e
manifestações culturais pomeranas são parte de um sistema de valores em
constante movimento, a cada momento reinventados. Enquanto procedimento
metodológico, a pesquisa valeu-se do método etnográfico, com observação
participante e elaboração de diário de campo. Os dados foram também construídos
a partir de entrevistas, realizadas junto a famílias rurais pomeranas, bem como a
atores sociais diretamente envolvidos em ações locais de valorização do patrimônio
cultural pomerano.
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