O feminismo em outros termos: da crítica ao sujeito fundacional feminista à ética da precariedade em Judith Butler.
Resumo
A tradição filosófica, epistemológica e política que podemos hoje chamar de
feminista foi construída sobre as bases mutáveis do conflito e da contestação,
composta por vozes divergentes que a todo o momento se embatem e se desafiam.
A cada tentativa de delimitar seu sujeito e suas demandas, o feminismo hegemônico
é interpelado por aqueles que invariavelmente exclui; é chamado a perceber as
limitações e localizações de suas pretensões universais. Encontramos nas críticas
de Judith Butler, filósofa que no final dos anos 1980 inicia sua análise dos problemas
de gênero do feminismo, tanto um fio condutor quanto um enquadramento para este
problema: se as fundações sobre as quais o feminismo se sustenta - se o sujeito
em nome do qual se pretende falar e a partir do qual as demandas morais feministas
são elaboradas – se estabelece como local de disputa, e, por consequência, em
constante revisão, o que resta ao feminismo? Como mantê-lo vivo, relevante e
representativo? De que forma embasar e prosseguir com a ação teórica e política
que zela pelos interesses das mulheres e, ao mesmo tempo, permanecer
dolorosamente consciente das exclusões, das contradições e das alianças que
fazemos e deixamos de fazer para que essa ação seja possível? A hipótese deste
trabalho bifurca-se em duas: a primeira é que a desconstrução do sujeito
fundacional do feminismo tanto não representa o fim do feminismo como constituise,
na verdade, em um passo essencial para que permaneça relevante. O sujeito
do feminismo como aberto, como constante campo de contestação e debate,
representa uma solução ao problema de representação do feminismo, e não sua
derrocada. No entanto, ao renunciarmos a uma base identitária firme – cuja
ontologia é, desde o início, ilusória –, somos deixados com uma lacuna: em torno
de que nos reunirmos? Qual o elemento, se não o identitário, que permite não
apenas as descrições feministas de mundo, mas também suas reivindicações
normativas? A nossa segunda hipótese é a de que a resposta para esse
questionamento está em uma ontologia fundada não na identidade, mas em uma
“nova ontologia do corpo”, cuja vulnerabilidade constitutiva é partilhada por todos.
Dessa condição precária inescapável, Judith Butler deriva uma ética da
precariedade que, acreditamos, permitiria ao pensamento feminista lidar com as
contradições das inúmeras identidades que formam os sujeitos, identidades que
não apenas vão além do gênero, mas que informam como o gênero é experienciado
– raça, classe, nacionalidade, etc. – e dessa forma construir um pensar e um agir
ainda mais permeável pelas diferentes e imprevisíveis intersecções que surgem do
encontro de sujeitos diversos em busca de uma vida vivível.
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