| dc.description.abstract | Em Pelotas, houve uma época em que a escultura de um deus
grego vigiava a cidade do alto da torre do Mercado Central. Não
se sabe quando esse deus chegou, nem por quanto tempo ficou lá,
mas dizem que ele era de metal e que girava iluminado pelas luzes
de um farol, indicando a direção dos ventos. Dizem também que
um dia ele caiu lá do alto durante um forte vendaval que castigou
Pelotas; outros, contam que a sua queda teria sido por causa de
um incêndio que destruiu parte do mercado público em 1969. O
fato é que ele passou muito tempo desaparecido. Tanto tempo, que
algumas pessoas apagaram da memória a sua existência, enquanto
outras chegam a afirmar que ele nunca existiu. Dizem, até hoje na
cidade, muitas coisas a respeito dessa escultura.
Da sua história, sobraram mais lembranças do que
propriamente fatos. Os relatos orais e raríssimas fotografias
são, até então, os únicos “documentos” que ela possui, afora a
sua própria materialidade. Sim, o deus que ficava no alto da tor-
re do mercado existia e ainda existe: tanto no simbolismo e no
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
SÉRIE PÓS-GRADUAÇÃO - VOLUME 9
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imaginário de alguns pelotenses, quanto na matéria. Trata-se de
Hermes, divindade grega, que para os romanos foi assimilado
como Mercúrio. E é assim – como o deus Mercúrio – que ele é
chamado em Pelotas.
Quando esta pesquisa teve início, em maio de 2013, o
Mercúrio encontrava-se guardado em uma sala do prédio da
Secretaria Municipal de Cultura (SECULT), mas antes disso ele
havia permanecido, por tempo indeterminado, em outros locais.
Sabia-se da sua existência por meio de comentários em programas
de rádio e em jornais, a maioria deles cobrando a sua localização
atual. A motivação deste estudo, inicialmente, foi a de entender
questões de ordem prática, como as de descobrir se realmente
ele havia estado no alto da torre e por quanto tempo teria por
lá permanecido, além dos motivos de seu desaparecimento. Essa
motivação, fortemente instigada por uma aptidão detetivesca até
então desconhecida, revelou-se naquele momento pela intenção de
desvendar todos os mistérios que cercavam aquela escultura.
Aguçada, também, pelo fascínio das questões relacionadas
à mitologia greco-romana e à Antiguidade Clássica, aos poucos
outros questionamentos, agora de ordem mais subjetiva, foram
tomando lugar e se sobrepondo aos anteriores. Não que aquelas
questões devessem ser ignoradas, mas o importante, daquele
momento em diante, era decifrar por que essa escultura havia sido
colocada na torre do Mercado Central; qual o seu significado e
como a população a percebia; por que ela havia sumido por tanto
tempo e, sobretudo, depois de encontrada, por que permanecia,
ainda, tão distante do seu lugar inicial?
A partir de então, e encarando esses questionamentos
como um desafio, buscou-se entender, nesse processo de
descontextualização sofrido por essa escultura, a tessitura de
relações nela envolvidas. | pt_BR |