Entre o doce e o silêncio: visibilidade e sombras do patrimônio nas práticas alimentares da Comunidade Gustavo Adolfo de Morro Redondo/RS
Resumo
Esta pesquisa analisa as práticas alimentares da Comunidade Gustavo Adolfo de Morro Redondo, explorando o papel das festividades como espaços de expressão de tradições alimentares e sociabilidades comunitárias. A análise parte da premissa
de que a relação entre as festas locais e a identidade gastronômica de uma localidade é um campo de investigação fundamental para a compreensão da memória social e do patrimônio cultural de determinados lugares, pois as festas estão associadas diretamente ao modo de vida, aos valores e crenças e às expressões de cada comunidade. A metodologia adotada nesta pesquisa baseia-se em uma abordagem qualitativa com inspirações etnográficas, em um estudo de caso focado nas festividades gastronômicas locais, especificamente na Comunidade Gustavo Adolfo do jovem município de Morro Redondo, sul do Rio Grande do Sul. O estudo investiga como estes eventos festivos utilizam o bem patrimonializado para se promover, destacando a relação entre os modos de fazer e os significados atribuídos aos alimentos na construção da identidade. Os resultados aferidos indicam que a patrimonialização do doce colonial e de outras iguarias típicas é um processo mediado por agentes internos e externos, envolvendo disputas simbólicas e negociações culturais. A pesquisa também evidencia a centralidade dos alimentos na construção de laços sociais e na transmissão de memórias, ressaltando a sua importância cultural. Sobretudo, problematiza o fenômeno do sombreamento de outras práticas alimentares, no qual certas tradições gastronômicas se tornam mais visíveis em detrimento de outras, influenciadas por discursos institucionais e turísticos, via de regra, externos à comunidade. Ao abordar a interseção entre comida, cultura e identidade, esta tese contribui para os debates sobre a alimentação e os processos de patrimonialização gastronômica, reafirmando a importância das festas comunitárias como espaços dinâmicos de confirmação e ressignificação da tradição local. Além disso, as festas do município não se mostraram um campo real para o estudo das práticas alimentares, tornando necessária a aproximação do pesquisador com uma comunidade local, como a Gustavo Adolfo, para compreender a invisibilidade de outras práticas alimentares. Essas práticas, embora presentes nas festas comunitárias, não estão representadas nas festividades do município, que foram transformadas em produtos voltados para o turismo e para a valorização do doce colonial. Esse, um patrimônio instituído que fomenta a economia local, cobra um preço silencioso: o ocultamento de outras práticas gastronômicas tão essenciais para a coesão e sustentabilidade das comunidades, devido ao sombreamento que operam.