Fungo endofítico isolado de Achyrocline satureioides: identificação molecular, caracterização química e investigação do efeito antitumoral de metabólitos bioativos
Resumo
O câncer é a principal causa de morte prematura na maioria dos países. A
urgência por alternativas terapêuticas tem encorajado a busca por novos
agentes anticâncer a partir de produtos naturais. Evidências sugerem que
plantas medicinais são colonizadas por fungos endofíticos, os quais consistem
em uma importante fonte de estruturas químicas únicas geradas pelas relações
coevolutivas com a planta hospedeira. Conhecida como ‘marcela’, a Achyrocline
satureioides é uma planta medicinal cujos efeitos antitumorais do extrato vegetal
têm sido atribuídos à presença de polifenóis. Recentemente, descrevemos o
isolamento e o efeito antiglioma de um fungo endofítico de A. satureioides.
Assim, este estudo teve como objetivo principal elucidar a taxonomia do fungo
isolado, caracterizar os metabólitos presentes na fração purificada (FDCM) e
avaliar o seu efeito antimelanoma e antiglioma. Diante das propriedades
antitumorais de polifenóis associados à A. satureioides, este estudo também
investigou o impacto antiglioma do ácido gálico (AG) comercial através de testes
in vitro e in vivo. Através da análise molecular da região ITS, o fungo endofítico
foi identificado como Biscogniauxia sp. (Xylariaceae). A caracterização química
de FDCM por cromatografia líquida de ultra-eficiência acoplada ao espectrômetro
de massas, demonstrou pela primeira vez a capacidade deste fungo em produzir
compostos da classe das isocumarinas, terpenoides, e outros derivados de
policetídeos. Sendo este, o primeiro estudo a relatar a biossíntese da lactona
Sch-642305 pela família Xylariaceae. De acordo com as análises citotóxicas, o
FDCM (1 a 20 µg/mL) reduziu a proliferação das células de melanoma humano
(A375) e glioma de rato (C6), induzindo morte e alterações no ciclo celular após
72 h de tratamento. Para compreender a atividade antiglioma no microambiente
tumoral, astrócitos corticais de ratos neonatos e células C6 foram cocultivadas e
expostas ao FDCM por 72 h. Assim como na C6, em condições de cocultivo o FDCM
também reduziu a atividade metabólica, regulou o catabolismo de nucleotídeos
extracelulares de adenina e reduziu o estresse oxidativo. Além disso, o FDCM
reduziu a resposta inflamatória nos modelos de glioma, além de modular a
expressão de genes envolvidos na progressão tumoral como ERK, COX-2,
Casp-1 e IL-1β. Nenhuma alteração foi observada em astrócitos saudáveis. Já o
AG (50 a 400 µM) reduziu o crescimento celular de C6 após 48 h, modulando a
resposta purinérgica e oxidativa. Por fim, a administração intragástrica de AG (50
e 100 mg/kg/dia) por 15 dias reduziu o volume tumoral, regulou a sinalização
purinérgica e preveniu os danos oxidativos no cérebro, soro, plaquetas e/ou
linfócitos de ratos submetidos à injeção intracerebroventricular de C6. Nossos
dados destacam o elevado potencial dos produtos naturais na modulação de vias
relacionadas à progressão neoplásica, ressaltando a importância dos fungos
endofíticos como exímios produtores de compostos de interesse farmacológico.